O caso de Helvécio dos Santos escancara a falência moral e jurídica do sistema judiciário brasileiro

O vídeo voltou a viralizar. Helvécio dos Santos aparece chorando, desabando nos braços dos seus advogados, no exato momento em que ouve o veredito: inocente. A cena é devastadora. Um homem algemado, tremendo, aos prantos — não de alegria, mas de alívio, dor, exaustão, revolta e descrença. Dois anos preso injustamente. Dois anos vivendo um pesadelo que só um criminoso deveria viver, não um inocente.

O vídeo, gravado em abril de 2023, reapareceu nas redes e reacendeu uma indignação que nunca deveria ter se apagado. Porque o que aconteceu com Helvécio dos Santos não é um erro isolado. É uma ferida aberta na cara do Brasil.

Enquanto assassinos confessos negociam penas, líderes de facção gravam vídeos de dentro de presídios e estupradores conseguem liberdade com tornozeleira, o trabalhador honesto Helvécio dos Santos passou dois anos preso injustamente por um crime que não cometeu. Esse é o Brasil. O país onde a Justiça é rápida para punir inocentes e lenta — ou omissa — quando se trata de colocar criminosos reais atrás das grades.

Helvécio, assistente de serviços gerais, sem antecedentes criminais e com carteira assinada, teve a vida devastada por uma decisão apressada, desinformada e profundamente irresponsável. Em abril de 2021, ele foi preso após tentar separar uma briga de rua durante uma festa de aniversário. No dia seguinte, a polícia bateu em sua porta. Sem qualquer prova material, sem testemunhas o apontando como autor do crime, ele foi preso preventivamente. E ficou assim. Preso. Por dois longos anos.

“Só quem tava lá dentro sabe o que é aquilo. Eu acho que é uma situação que nenhum ser humano deveria passar”, desabafou Helvécio.

A Justiça, que deveria zelar pelo equilíbrio e pela proteção dos direitos, foi o próprio instrumento de tortura contra um homem inocente. E isso não é exagero: é a realidade de centenas de brasileiros que, como Helvécio, são esmagados por um sistema que prefere errar pelo excesso de punição do que pela prudência.

Um Judiciário que protege culpados e pune inocentes

O caso de Helvécio não é uma exceção: é a regra não contada das prisões brasileiras. Enquanto se discute abertamente sobre “superencarceramento”, “ressocialização” e “penas alternativas”, o que se vê na prática é um Estado que falha miseravelmente em distinguir o criminoso do inocente.

Mesmo com laudos que não apontavam nenhuma ligação entre Helvécio e o homicídio, mesmo com testemunhas afirmando que ele não participou da briga, mesmo com o histórico limpo, o delegado optou por prendê-lo. Os pedidos de habeas corpus foram negados. A Justiça preferiu a “segurança” de manter um inocente atrás das grades a correr o “risco” de libertar alguém que poderia, quem sabe, um dia, ser culpado.

Essa lógica perversa inverte totalmente o princípio da presunção de inocência, que deveria ser a base do direito penal moderno. No Brasil, ser pobre, preto e trabalhador é o novo perfil do criminoso presumido.

Dois anos de dor, abandono e silêncio do Estado

Durante o período em que ficou preso, Helvécio foi tratado como bandido. Algemado, humilhado, julgado pela sociedade, e esquecido pelo Estado. Sua mãe, Wânia do Carmo, visitava o filho todos os finais de semana, carregando a angústia de ver seu filho definhar em um lugar que nunca deveria ter conhecido.

“A gente sabia que ele era inocente e era dolorido saber que o filho estava em um lugar que não deveria estar”, disse ela, em lágrimas.

O julgamento só aconteceu dois anos depois. Foram 10 horas intensas, nas quais o medo de mais uma injustiça era tão paralisante que Helvécio tremia incontrolavelmente nas algemas. Sua advogada, Isabela Ribeiro, relatou:

“Ele tremia tanto que dava para ouvir as algemas batendo”.

Ao final do julgamento, todas as testemunhas reafirmaram sua inocência. O júri, enfim, o absolveu. Mas quem devolve a dignidade arrancada? Quem devolve os dois anos perdidos? Quem paga pelas noites mal dormidas, pela humilhação, pela dor?

Cadê a reparação, Estado?

Após sua libertação em abril de 2023, Helvécio tenta, como pode, reconstruir a vida.
Mas o dano está feito. A prisão deixou marcas profundas — psicológicas, sociais, emocionais. Ele mesmo admite:

“Estou feliz por estar livre disso tudo, mas estou com sentimento de falta de alguma coisa. Não sei dizer o que.”

E o Estado? O mesmo Estado que o prendeu injustamente, que ignorou provas, que negou habeas corpus, agora silencia. Nenhuma indenização paga. Nenhuma reparação moral. Nenhuma assistência.

Seus advogados moveram ação judicial pedindo uma compensação financeira — ainda que “mínima” — pelos danos sofridos. E ainda assim, nada foi decidido. Nada foi pago. Porque no Brasil, o Estado é rápido para destruir e lento para consertar.

Justiça seletiva, tardia e desumana

Enquanto isso, o que vemos são criminosos de verdade sendo tratados com uma leniência absurda. Bandidos com dezenas de passagens saem livres porque a audiência de custódia atrasou. Feminicidas recebem tornozeleiras. Estupradores viram pauta de reeducação. Facções organizam massacres de dentro de presídios com celulares.

É a justiça da inversão moral.
Inocentes atrás das grades. Culpados nos holofotes. E o Estado, cúmplice da tragédia.

Quantos Helvécios ainda estão presos?

O caso de Helvécio dos Santos deveria ser manchete em todo o país. Deveria provocar indignação nacional. Mas, como tantas outras histórias, será enterrado nas estatísticas e ignorado pela elite do Judiciário e pelos formadores de opinião.

Porque inocente preso não gera militância, não gera ibope e não gera votos.

Mas nós não vamos esquecer. Porque cada dia que Helvécio passou atrás das grades foi um crime de Estado. Um crime contra os direitos humanos reais, não os de fachada. Um crime contra o trabalhador honesto, contra a dignidade da vida humana.

Ou o Brasil reforma sua Justiça, ou continuará sendo um país de injustiças

O Judiciário brasileiro precisa urgentemente passar por uma reforma moral, ética e estrutural. Não basta punir. É preciso punir certo. E, sobretudo, é preciso reparar o que foi destruído por sua própria mão.

O caso de Helvécio dos Santos não é o fim de uma injustiça. É o começo da denúncia de muitas outras.

E enquanto o Estado não responder por cada vida arruinada por sua negligência, nós continuaremos gritando por justiça. De verdade.

Compartilhe este texto. Que a história de Helvécio sirva para acordar um país que insiste em dormir diante da dor dos seus inocentes.

 

Uma resposta

  1. Meu marido atualmente passa pela mesma coisa, estava no lugar errado na hora errada e para encobrir um policial estão colocando o dele na reta

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