O Senado aprovou o fim do atenuante de idade e da prescrição para crimes sexuais — desde que a vítima seja mulher. Para meninos nada muda.
O Senado aprovou, no último dia 10 de junho, o Projeto de Lei 419/2023, que acaba com dois benefícios penais para autores de crimes sexuais: o atenuante de idade (para quem tem menos de 21 ou mais de 70 anos) e o prazo de prescrição. Mas há uma ressalva: as mudanças só valem quando a vítima é mulher. Agora, o texto segue para a sanção presidencial. O presidente pode sancionar integralmente, vetar parcialmente ou vetar totalmente. Só após a sanção e publicação no Diário Oficial da União é que a lei passa a valer oficialmente.
Em um país onde milhares de crianças — inclusive meninos — são vítimas de abuso todos os anos, o projeto parece, à primeira vista, um avanço. O discurso oficial é de endurecimento das penas, combate à impunidade e proteção às vítimas. Mas basta ler o texto para perceber que ele não protege as vítimas. Protege “as vítimas certas”.
Se a vítima for seu filho de dois anos, de 13, um homem com deficiência ou um idoso de 80 anos, o agressor ainda pode usar o atenuante de idade para reduzir sua pena. E mais: se a vítima não conseguir denunciar dentro do prazo, o crime prescreve normalmente. Porque, para o legislador brasileiro, a gravidade do crime e o próprio direito à justiça dependem do sexo da vítima.
Quando a vítima é homem, a lei fecha os olhos
Dados do Ministério da Saúde e do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram que, só em 2023, 33 mil meninos de até 13 anos foram vítimas de violência sexual no Brasil. Apesar disso, seguem completamente invisíveis. E esse número está longe de refletir a realidade.
Quando a vítima é do sexo masculino, os índices de subnotificação são ainda maiores. Isso acontece por uma combinação de fatores: vergonha, medo, estigmatização e a construção cultural que nega a possibilidade de que meninos também sejam vítimas. A cultura ensina que homem não pode ser vítima, que menino não sofre abuso, que violência sexual contra eles é “menos grave” ou sequer existe. E essa cultura não está só nas ruas — ela está refletida na própria legislação.
De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 58% das vítimas de estupro de vulnerável tinham até 14 anos em 2022. Entre elas, 14% eram meninos — um número expressivo, mas que permanece invisível na legislação e no debate público.
Se um homem de 70 anos estupra uma menina de cinco, ele não pode mais se beneficiar da redução de pena. Correto. E o crime não prescreve nunca. Correto também. Mas se esse mesmo homem estupra um menino da mesma idade, ele segue podendo reduzir a pena pela idade e, se a denúncia não for feita dentro do prazo, o crime simplesmente prescreve. E fica impune. A proteção penal no Brasil não é para todos. É seletiva. É ideológica.
Em termos práticos, a mensagem é brutal:
Estuprar um menino é menos grave. É isso que o Senado votou. É isso que o Congresso aprovou. E é isso que agora aguarda sanção presidencial.
Não é sobre justiça. Nunca foi.
O discurso público vende essa lei como um endurecimento contra estupradores. Na prática, o Estado apenas escolhe quem merece justiça e quem não merece.
Se fosse realmente sobre proteção à dignidade humana, a regra valeria para qualquer vítima, independentemente de sexo, idade ou condição. Mas o Brasil legislativo não combate a violência. Ele combate o que alimenta sua própria narrativa de opressores e oprimidos. E, nessa narrativa, homens e meninos não são vítimas. São descartáveis.
Essa não é uma aberração isolada. É parte de um sistema que há anos legisla como se a dor tivesse gênero. Leis como a Maria da Penha, a Lei do Feminicídio, o PL da Violência Psicológica com IA e agora a exclusão do atenuante penal e do prazo de prescrição seguem a mesma lógica: no Brasil, justiça é privilégio de quem nasce mulher.
Meninos podem ser estuprados, homens podem ser violentados, idosos podem ser agredidos. Nada disso mobiliza o Congresso, a mídia ou os movimentos sociais. Porque não é sobre justiça. Nunca foi. É sobre manter de pé um projeto político, cultural e jurídico que declara abertamente: a vida do homem vale menos.
Se for com meu neto, filho, ou qualquer homem da minha família, só tenho uma coisa a dizer, eu acabo com a vida dessa pessoa e corro atrás de atenuante, afinal eu sou mulher …